Uma das entrevistas bacanas e descoladas que havia lido de Alex Atala nos últimos dez anos fora a conduzida por Fernando Paiva, com fotos geniais de Marcos Vilas Boas, para a edição 143 da revista Trip. Post checado em 02 de março de 2021.

Exato. Faz dez anos que Atala apareceu seminu segurando uma torta, páginas adiante levada à cara, Nu e Cru, tal o título da reportagem. Que tratava do mesmo cara nascido na Mooca, que já teve banda, que já foi punk, que rodou a Europa, que estudou e continua estudando e revolucionando a gastronomia que todo mundo conhece. Que dali a pouco vai aparecer na segunda temporada de Chef’s Table, pela Netflix. E que vai abrir seu Açougue Central, misto de bar e açougue em breve, em São Paulo.

Fotos: Érica Araium

Curioso que o cozinheiro reviu a carreira do alto de um palco enxuto, em meio à Semana Mesa SP/ Congresso Mesa Tendências edição de 2015, igualmente desnudo. Foi ele quem abriu os trabalhos do principal evento internacional de gastronomia brasuca tocando n’alma da plateia ao travar letras sobre os ingredientes e as receitas genuinamente brasileiros.

Durante a execução da versão dele de arroz Maria Isabel, que leva galinha-D’Angola, por exemplo, veio essa pensata. “Somos um país com dimensão de um continente, mas pecamos com a falta de valorização de receitas tradicionais. Existe um receituário brasileiro espalhado”. E lembrou quantos outros arrozes Maria Isabel há para além do Piauí. “Nesses anos fazendo menus, resolvi tomar um dos maiores riscos da minha vida. Entre o clássico, o contemporâneo, o autoral e etc, optei pela diversidade. E quis fazer pratos efêmeros, coisas que ninguém vai dizer que é uma refeição. O menu degustação tem coisas modernosas. Coisas que você põe na boca e esfacelam. Um prato que flutua, mini canapés gelados. Propus ainda que se começasse comendo com as mãos. Depois introduzi louças clássicas e talheres de prata, clássicos. Assumi o risco de ser criticado”, disse. Adiante, se pôs a rejustificar, como se precisasse disso, as razões para que seus menus pesem o quanto valem.

E aí, depois de finalizar 23 pratos executados em seus D.O.M. e Dalva e Dito, dizendo tim-tim por tim-tim de como havia concebido cada complexidade técnica comestível daquelas e situada em menus degustação, finalizou a saraivada meio que de esgueio - tal ponta de lança capaz de golear qualquer complexo de vira-lata gastronômico que, por razões torpes, ainda persistam por aqui. “Servir esses pratos em tempo, todos iguais, na temperatura correta, com o serviço harmônico e correto, com sintonia entre cozinha e salão, pensar no vinho certo ou na bebida certa para cada um deles. Desculpe. Mas meu restaurante (D.O.M.) é caro e merece ser caro”.

Fotos: Érica Araium

Já o havia entrevistado noutras ocasiões. Numa das mais bacanas, em 2008, por conta do lançamento de Escoffianas Brasileiras (Larousse do Brasil), e que virou perfil para o extinto jornal Diário do Povo, ele disparara: “Não quero refinar a cozinha brasileira, mas torná-la atraente, revelar seus sabores. Fiz isso quando ninguém mais se preocupava em valorizar os nossos ingredientes”. E emendou: - “A diferença entre um prato bom, fantástico e fenomenal é o repertório do cozinheiro”. Repertório é uma palavra que adoro, quem me conhece, sabe.

Pois bem. É ainda o fardo dele ser o cara? Fora. Ele virou verbete finíssimo, sujeito hors-concours. E sabe ele que precisa continuar em treinamento, tal atleta – dedicado à pesquisa, certamente, algo que declarou querer, feliz da vida. “Talvez o melhor momento do D.O.M. já tenha passado, e tudo bem. Agora é a vez dos jovens cozinheiros”, assumiu em tom de missão cumprida, ali no aconchego da pausa para o café/ cigarro – #SQN. Foi na pressão da coletiva de imprensa mesmo.

Um tesão a voltar a entrevistá-lo. Ainda que não houvesse exatamente “novidade” no discurso da vez, rever Atala desnudo, num ponto da linha espaço-tempo em que o D.O.M. era considerado o nono melhor restaurante do mundo (World´s 50 Best Restaurants/ 2015), foi honroso. Coerente, como sempre se manteve, ele proseou com Diálogos Comestíveis.

A íntegra da entrevista pode ser conferida em vídeo no canal de Diálogos Comestíveis no YouTube e disponível a seguir. O trecho mais intimista, em que ele discorre justamente sobre a coerência requerida de um cozinheiro, segue transcrito aqui:

Diálogos Comestíveis (DC) – A ousadia da criação é permitida a quem tem repertório, que é teu caso. Tem muitos novos cozinheiros tentando se aproximar do que você já faz há anos. O que você diria a eles em relação à coerência?
Alex Atala (AA) – Mais do que coerência, eu diria consistência. Porque mais difícil que chutar a bola para cima é manter ela no alto. O que eu peço a essa juventude é... Olha, não adianta. O que vejo nesses anos todos de cozinha é que tem ótimos cozinheiros, mas que não param num restaurante. E que não trocam de cardápio. O sujeito que uma hora está mais numa linha de cozinha e, dali a pouco, fazendo outro negócio. Esses caras acabam criando uma confusão para si mesmos. A falta de coerência/ consistência de trabalho é o inimigo de um jovem chef. Ninguém consegue ter uma equipe incrível, produtos incríveis. Quem está no mercado há um pouco mais de tempo consegue um pouquinho mais. Tenho problemas tanto quanto tem um garoto, mas tenho também uma trilha de persistência e coerência que me ajuda. O que falta para a molecada é isso. Se manter numa linha.
(DC) - Você acredita na regra das dez mil horas?
(AA) – Total. Sou crédulo total de que dez mil horas te levam à excelência.
E sobre o fato de ser considerado o embaixador da gastronomia brasileira, alguma ponderação?
(AA) - Estou ficando menos na cozinha, mas fazendo exatamente o que eu quero. Estou mais feliz. Obviamente o tempo que dedico ao Instituto ATA, à cozinha que a gente faz atinge pontos cardeais que eu nunca imaginei. Tem mais uma missão aí que não é só levar o restaurante. Não penso muito sobre o fato de ser o cara da gastronomia no Brasil. Se eu pensar eu vou ficar bêbado. Esse tipo de conhecimento/ fama é que nem vinho. Você olha, você deseja. Vê o rótulo, aprecia. Tira a rolha e cheira e degusta, é incrível. Depois é muita dor de cabeça. Então eu tento não pensar muito nessas histórias. Tenho deixado de fazer algumas coisas para ficar mais no D.O.M., que é mais pessoal. Tenho tentado viajar menos para fora para palestras e etc. Às vezes é melhor fazer viagens mais curtas para chegar mais longe.

Durante a nona edição do Mesa Tendências, maior congresso de gastronomia da América Latina, Diálogos Comestíveis conversou com Alex Atala. Nesta entrevista, ele fala sobre a nova gastronomia brasileira, seu papel como chef de cozinha, a importância da mídia e mais. "A nova gastronomia são os novos chefs. Falta a promoção dos nossos cozinheiros", afirma ele. Clique para assistir.

 

 

 

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