Queijo Fiqueira

A Fazenda Atalaia que merece ser vivida

Ficam guardadinhos numa tulha da Fazenda Atalaia (Amparo/SP) o Tulha, o Mantiqueira, o Figueira, o Mogiana e outros queijos artesanais em distintas fases de maturação. O Provolone, que já caiu na boca do povo e adora virar provoleta, descansa exibido, pronto pra ser paquerado na recepção da propriedade (tá aí, merece a fama). A visita tem dessas coisas: a degustação, a compreensão sobre o processo produtivo, o tour pela propriedade e a degustação de tudo (creme de leite, iogurte, doces e bolos, inclusive). Fazia um tempo que a prometíamos visita à propriedade de Paulo e Rosana Rezende. Tulelados pelo chef Mauro Tavares (do extinto Black Sheep Gastronomia), e acompanhados por uma plêiade de cozinheiros e amigos, foi bem mais gostoso.  Post checado em 02 de março de 2021.


Porta da casa sede, Fazenda Atalaia (Amparo/SP).
Porta da casa sede, Fazenda Atalaia (Amparo/SP). Fotos: Érica Araium (Diálogos Comestíveis)

 

A propriedade encerra história desde 1870, época em que os terreiros de café eram usados sem parcimônia. A produção de queijos começou muito mais recentemente, - há cerca de 20 - por conta da "insistência da Rosana", como costuma dizer Paulo. "Quando começamos a produzir queijos, nossa! Até perdemos a conta de quantos foram dados aos porcos. surprise Achávamos que não estavam bons, que não serviriam ao consumo", lembra Paulo. Heresia, veja bem! Ele sabe. O processo se aprimorou a tal ponto que, volta e meia, os queijos são levados a concursos e a eventos gastronômicos (em abril, por exemplo, teve A Queijaria na Rua, em São Paulo, na Vila Madalena e, há pouco, o próprio Paulo deu um workshop sobre seus queijos no Festival Itinerante Sabores da Terra, em Indaiatuba/ SP). 

Quando chegam às mãos dos cozinheiros, esses logo levam tudo ao nariz e à boca. O ato seguinte, sem intervalo, é a aplicação nas cozinhas em que atuam. Assim, fácil, fácil. Sem tantas bravatas, mas indagações sobre notas de sabor e afins.

Mauro defende ser o Tulha da Atalaia o melhor queijo do mundo. Já fez um tantão de coisas com ele e, agora no inverno, inventou de fazer raclete com o Figueira (sem tantas olhaduras e maturação). Laurent Hervé ( à frente então do D'Autore Restarante), francês e conhecedor de queijos, claro, mostrou-se encantando com a sutileza persistente na rudeza daqueles métodos artesanais. Também adorou os queijos. "Uma coisa é gostar de vinho, ou de café, ou de queijo. Outra é trabalhar com isso. E, outra, compreender tanto cada um desses alimentos a ponto de produzir ou estudar mais a fundo", perscrutou ele antes de sair em tour pela propriedade. Faz todo o sentido situar cada profissional em seu lugar e lembrar do fato de que a gastronomia é multidisciplinar.

Francês, o chef Laurent Hervé prova os aromas dos queijos na Fazenda Atalaia


Bruno Tamietti, então do Empório do Nono, não só se encantou com tudo o que viu e ouviu com se rendeu às explicações de Paulo, numa boa. "É um privilégio ter um contato com o produtor como esse. Algo que deveria ser cotidiano, a gente trata assim, precioso, que nem joia, porque esse tipo de relação se rareou à toa por aqui", pondera ele. Descendente de italianos, monge lá atrás, na fase pré-juventude, viveu mais de 20 anos no Exterior.

A visita a Fazenda Atalaia pode ser agendada, normalmente, por quem se interessar. A criançada, principalmente, fica estarrecida com o programa - subir em árvores, caminhar, brincar com os bezerros e essas coisas tão naturais? Por favor, deixe que seu pupilo o faça. Acompanhe-o. E volte a ser criança (ou liberte seus insights, se quiser permanecer adultão diferentão, ok?)!

Artesanais: expertise da Fazenda Atalaia, Amparo/ SP


Enquanto a sede serve às lautas refeições que Rosana teima em preparar aos forasteiros em situações especiais, a parte da recepção aos visitantes, coladinha ao centro queijeiro, passa por fase de restauração, consciente e sustentável. Sim, está feioso lá, por ora. Mas, poxa! Pensa! Vai ficar lindão! Dê uma força! yes A ideia é que, no espaço contíguo ao local onde se produz os queijos, funcione o empório (vulgo lojinha) e um espaço educativo. Tudo anexo à tulha onde repousam os queijos que carecem de maturação. O aroma, lá, é enloquecedor. Sem eufemismo. Cérebro com olhadura de cheese? Sim, eis aqui, ainda, um camundongo felizão com tanto conteúdo desde a última visita. heart

 

Paulo Rezende, agrônomo e produtor de queijos na Fazenda Atalaia - Diálogos Comestíveis
Paulo Rezende, agrônomo e produtor de queijos na Fazenda Atalaia

 

O processo Atalaia 


Paulo é agrônomo. Daí sacar tanto do que faz e procurar se aprimorar com a constância que a excelência preconiza. Vai logo avisando, antes de nos sentarmos a sós, que o método artesanal prevalece até certo ponto; e que gostaria que as pessoas entendessem que a artesania, ainda que se embeba de tecnologia para resultar melhor, precisa ser vista com olhares mais atentos. Assim, de pertinho, como fizemos.

O leite cru é cru até onde a lei permite. Para determinados processos, a pasteurização é imperativa. A ordenha é mecânica e, não. O rebanho não fica em pasto livre assim, ao léu. "O que prezamos é o conforto dos animais. Não faz sentido eles caminharem campina acima e abaixo atrás de água quando há uma fonte natural disponível. Nossos animais não se estressam", explica. 

Milho, soja, um complexo balanceado de nutrientes fazem parte da alimentação. Por uma questão de segurança alimentar, o leite é resfriado quase imediatamente depois de sair do úbere das vacas holandesas da Atalaia. "Há uma cepa de bactérias imensa que pode se multiplicar a 37ºC. Quando essa população de microorganismos não é controlada, sabemos que haverá os capazes de agir sobre a glicose que precisamos que alimente outros tipos de bactérias, já na fase de maturação. Percebe que falamos aí de uma lógica, e não de uma assepsia sem função? Para agradar a diferentes paladares, precisamos compreender os dintintos processos que ocorrem com os nossos distintos queijos", situa.

Ele gostaria, e já propôs a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), sem retorno positivo por ora, de um estudo sobre o terroir/ microclima da Fazenda Atalaia. Seria algo a se pensar para melhoria/ preservação da biodiversidade. E, claro, aprimoramento dos queijos. "No inverno e verão as maturações são diferentes. Os blends são diferentes. Imagino que deva haver uma distinção entre as populações bacterianas ao longo do tempo. Mas, quais? E por quê"?

O Ital (Instituto de Tecnologia de Alimentos) e IAC (Instituto Agronômico de Campinas) são outras instituições que povoam os sonhos do produtor. "Seria bacana se analisasse o que ocorre com os queijos ao longo de um ano e meio de maturação, por exemplo. Se se comparasse com o que ocorre com outros queijos de outros produtores brasileiros. Levaria até amostras aos laboratórios, se o caso. Mas, poxa. Devia ser o contrário, não"? Enquanto as respostas não vêm, ele segue produzindo de acordo com o que mandam as estações. "Temos coleções de queijos e garanto que os sabores são completamente distintos", defende.

"Quando a  gente vai entender que a nossa cultura, ainda recente, precisa ser diversa para se manter rica? Que precisa ser respeitada? Quando vamos, finalmente, pensar de uma maneira mais visionária, e não subsistente? Quando vamos pensar sério no amanhã e, não só, no almoço de dali a pouco? Estamos fortelecendo a associação dos queijeiros, pensando mais sobre o valor agregado e os processos produtivos", observa Paulo. Ôba! Mais #MotivosParaDialogar!

Em outubro, a Atalaia (bingo!) deve participar do concurso nacional dos queijos, em São Paulo, premiação que teve sua primeira edição em 2014, às vésperas do Congresso Mesa Tendências, promovido pela revista Prazeres da Mesawink


AGENDE SUA VISITA
Fazenda Atalaia - Rodovia SP 352, Km 137,3. Amparo, São Paulo. Fones: (019) 3807-5545 e 99110-7793. Saiba mais: clicando aqui.

 

Queijos da Fazenda Atalaia
Queijos da Fazenda Atalaia: vale a visita! Programe-se!

 

SLOW FOOD NÃO É PAPO DE BICHO GRILO

 

"Achava esse papo todo de Slow Food lindo, mas balela. Algo que funciona bem na Europa, mas que seria utópico por aqui. Mudei completamente de ideia depois dessa visita a Fazenda Atalaia". A frase é de Letícia Laitano, estudante do quarto semestre curso de tecnologia em gastronomia da Universidade São Francisco (USF/ Campus Cambuí, Campinas/SP). Dita assim, sem tanto contexto, faz sentido à metade. Bora, então, extrair o soro desse argumento.

Letícia é minha aluna em duas disciplinas. Jornalismo Gastronômico (disciplina que eu prefiro chamar de comunicação e gastronomia) e Vivências Gastronômicas. Ao longo de todo o semestre que passou (esse, de agorinha), tratamos de sustentabilidade (desde a raiz do Tripple Botton Line), Slow Food, PANC, gastronomia responsável, gastronomia sustentável, orgânicos, sistemas agroflorestais e mais um tanto de eteceteras abarcados para além da ementa do curso (porque fica mais divertido assim!).

Fomos eu, ela e mais um grupo de 100 alunos explorar, dois meses ou pouco mais atrás, o Sítio Terra Mãe, coordenado por Zezé Ferri de Viesi, presidente do convívio regional do Slow Food que, além de ser um núcleo educativo modelo, serve, também, para ilustrar diversos conceitos que estiveram ou estão em voga e aproximar cozinheiros e produtores da máxima "comida boa, limpa e justa". Ali já foi muito bacana sacar o interesse pelo contexto do outro. A cozinheira e agrônoma Susanna Ulson, que se despediu há pouco de seu Restaurante da Capela (pois é, fechou; notícia triste à pampa), estava lá, inclusive, defendendo a importância do investimento em uma produção coerente (no caso, ilustrava com a própria, a de jabuticabas, no sítio Maria Preta, que servem à preparação de pratos, da jabutipasta (pasta de jabuticaba, note o neologismo, patenteado!) e de compotas, geleias, licor e mais.

Senti, ali, porém, que o broto do eureka! seguia em dormência; o modesto interesse pelo Slow Food - ou o não cair de ficha prevalecia, como queira. Bastou um tour pela Fazenda Atalaia, um almoço regado a prosa e partilhas e mais um punhado de provocações diversas para que a percepção acerca do alimento - e do papel do cozinheiro na cadeia - mudasse.

Almoço na Fazenda Atalaia, em Amparo/SP
Mesa farta, ideias a milhão, Slow Food na ponta das discussões


À mesa, farta e linda, falamos do sabor e da qualidade do alimento, das características do terroir, da relação entre cozinheiros europeus (lá, só lá), brasucas (cá, só cá), regionais, estudantes... Da necessária valorização do produtor, da relação entre valor e preço. De quanto um arroz com feijão consistente e coerente pode - e pode! - superar até as expectativas dos comensais mais exigentes. No café, mais ainda do potencial dos produtos brasileiros regionais. E do café, que tem tudo pra ser café de verdade, inclusive nos restaurantes espalhados por aí que insistem em servir um trago de qualquer coisa que, de fato, não merecia ser chamada de café.

Em suma, vimos cozinheiros cozinhando para cozinheiros, cervejando para cozinheiros e produtores, produtores contando de suas histórias da maneira como deveriam contá-las ao mercado (de forma apaixonada, instigante e natural, como são os bons storytellings "case"), estudantes de gastronomia e visitantes desavisados sobre o que ocorria ali - embasbacados com tanta beleza e seu cozido de ideias.

Coisa de dez anos atrás, um relato como esse pareceria devaneio no contexto do fazendão iluminado que é Campinas/SP. Cozinheiros unidos a valer? Putz! Sério? Lembro o quanto briguei (e já discuti, no sentido literal mesmo) por isso, com alguns deles (tudo esclarecido!). Hoje, de verdade, sinto que estamos no caminho certo. Assim. Pensar numa gastronomia mais coerente dá trabalho, nem sempre o consumidor final compreende... Mas, poxa... O legado é tão genial! Daí haver #MotivosParaDialogar AND Diálogos Comestíveis.enlightened

 

 

 

 

 

 

VOCÊ TEM #MOTIVOSPARADIALOGAR?
DESAFIE DIÁLOGOS COMESTÍVEIS!

 

PEÇA SEU ORÇAMENTO

CONVERSE AGORA